A DOUTRINA DA PROPICIAÇÃO

Pr Rafael Aguiar Pereira

 

   A palavra propiciação é uma tradução do termo hebraico kaphar, no Antigo Testamento, e do vocábulo grego hilasmos, no Novo Testamento, as quais são traduzidas por cobrir, expiar, reconciliar, propiciar, pacificar¹.

   Tanto expiação como propiciação referem-se à remoção da culpa, mas a rigor expiação diz respeito a um objeto (o pecado), enquanto propiciação focaliza mais exatamente a atenção no relacionamento da pessoa com Deus. A pureza de Deus — sua santidade— é tamanha que lhe é impossível tolerar o pecado. Ele criou as pessoas para que pudessem relacionar-se com ele, mas todos os seres humanos, por meio de Adão, tornaram-se pecadores (Gn 3.17; Rm 5.12; lRs 8.46; Mc 10.18; Rm 3-23) e não podem aproximar-se de Deus, a menos que seus pecados sejam removidos de algum modo (Is 59-2; Cl 1.21). A expiação é o processo ou o meio empregado por Deus para remover o pecado do homem, e a propiciação, o resultado desse processo, isto é, a reconciliação do pecador com Deus, reconduzindo-o a um relacionamento correto com Ele, pois agora, Deus torna-se propício ao homem.

   No Antigo Testamento, a palavra kaphar ocorre com mais frequência no Livro de Levítico pois trata dos sacrifícios rituais que eram feitos para expiar o pecado. Por exemplo, Lv 4.13-21 dá instruções para levar um novilho à tenda da congregação por oferta pelo pecado. Depois que os anciãos tivessem posto as mãos sobre o novilho (para transferir o pecado do povo para o novilho), o novilho era morto. O sacerdote levava parte do sangue do novilho à tenda da congregação e o borrifava sete vezes diante do véu. Parte do sangue era posto nas pontas do altar e o restante era derramado à base do altar dos holocaustos. Depois, a gordura do novilho era queimada no altar. O próprio novilho seria queimado fora do acampamento. Por meio deste ritual, “o sacerdote por eles fará propiciação \kãphar\, e lhes será perdoado o pecado” (Lv 4.20).

   O substantivo hebraico kappõret é traduzido por “propiciatório, assento da misericórdia. trono da clemência”. Esta forma do substantivo kãphar refere-se a uma laje de ouro que ficava em cima da arca do concerto. Imagens de dois querubins, um de frente do outro, ficavam sobre esta laje. Esta laje de ouro representava o trono de Deus e simbolizava Sua real presença no santuário de adoração. No Dia da Expiação, o sumo sacerdote borrifava sobre ela o sangue da oferta pelo pecado, simbolizando a aceitação do sangue por Deus. Assim. o kappõret era o ponto central no qual Israel, por meio do seu sumo sacerdote, podia entrar na presença de Deus.

   O Novo Testamento revela que, embora o sacrifício do animal fosse útil como figura preliminar, a expiação e a propiciação só podiam ser plenamente concretizadas pela morte de Cristo (Hb 9-15; 10.3,4), e os pecados cometidos antes disso só podiam ser perdoados porque a morte de Jesus já era prevista (Rm 3.25,26).

   Três importantes palavras gregas são empregadas para apresentar o ensino da propiciação no Novo Testamento. São elas hilasmos (1 Jo 2.2; 4.10), hilasterion (Rm 3.25; Hb 9.5, “propiciatório”), e hilaskomai (Lc 18.13; Hb 2.17). A necessidade da propiciação surgiu, por um lado, por causa da santidade de Deus, e, por outro, por causa do pecado do homem. A ênfase no significado da palavra é bastante adequada. No NT, seu uso indica claramente que a morte de Cristo cumpriu plenamente as exigências da santidade de Deus que havia sido ofendida. No AT, o propiciatório era o lugar onde o Deus santo encontrava-se com os homens pecadores; ali o sangue era aspergido. No NT, a cruz tornou-se o lugar onde Deus encontra-se com o pecador através do sangue de Cristo. Dessa forma, João pôde dizer que Cristo é a propiciação, a expiação pelos pecados de todo o mundo (1 Jo 2.2).

   A doutrina da propiciação ensina claramente que a morte de Cristo na cruz representava uma substituição por causa do pecado. Sua morte satisfazia as justas exigências de Deus Pai, provocadas pelo pecado do homem. Como resultado dessa propiciação, Deus ficou satisfeito e o relacionamento do mundo todo com Ele foi alterado. O sacrifício da propiciação de Cristo foi a base para a reconciliação do mundo com o próprio Deus (2 Co 5.19), A reconciliação estava ligada ao fato do mundo ter mudado em relação a Deus através da morte de Cristo. A propiciação está relacionada com a reparação apresentada a Deus como resultado da morte de Cristo. Deus foi ofendido pelo pecado do homem, e é Ele quem precisa ser satisfeito através do pagamento por esse pecado. A obra jurídica de Cristo na propiciação deve, naturalmente, ser apropriada pela fé de cada pecador individualmente antes de redundar em qualquer benefício pessoal. Não é necessário tentar persuadir a Deus para que Ele seja “misericordioso” para nos perdoar os pecados, como o publicano tentou fazer (Lc 18.13), pois agora, essa obra já foi feita. Deus já recebeu a propiciação, Ele está satisfeito com a obra de Cristo. Agora o pecador é convidado a participar, pela fé, desta grande obra de redenção do homem, consumada na Cruz por Cristo Jesus!

“Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.” (1Jo 2.1-2)

BIBLIOGRAFIA

VINE, W. F; UNGER, Merril F; JR, William White. DICIONÁRIO VINE. O Significado Exegético e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento. 1ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.

DICIONÁRIO BÍBLICO VIDA NOVA / Editor: Derek Williams. Tradução: Lucy Yamakami [et al]. São Paulo: Vida Nova, 2000.

PFEIFFER, Charles F; VOS, Howard F; REA, John. DICIONÁRIO BÍBLICO WYCLIFFE. 2ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

RAFAEL AGUIAR PEREIRA — é pastor auxiliar na Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Santa Inês – Ma, filiado à CEADEMA, pregador do Evangelho, graduado em Teologia, pós-graduado em Exegese Bíblica, professor de Teologia, de Grego e Hebraico bíblicos. Escritor. Casado com a missionária Velca Lopes Ribeiro Aguiar, com quem tem dois filhos: Melissa Vitória e Gabriel Aguiar.