As Três Peneiras de Tiago
“Sabeis isto, meus amados irmãos: mas todo homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar” (Tg 1.19).
Na sua carta universal, Tiago revela-nos três características que comprovam, irrefutavelmente, a maturidade dum verdadeiro cristão: 1) paciência diante das tribulações (Tg 1.1-19), 2) a verdade posta em prática (Tg 2.1-26) e 3) controle sobre a língua (Tg 2.19-27; 3.1-12). No capítulo 1, verso 19, Tiago apresenta-nos o teste das três peneiras que irão exibir o grau de nossa maturidade com relação à nossa língua. A primeira peneira a ser utilizada é:
1) Esteja sempre pronto para ouvir – Analisando um pouco a anatomia da cabeça, deparar-nos-emos com a excelsa e perfeita inteligência do Criador. Ou seja, a criatura possui dois olhos, o que implica dizer que ela deve estar sempre atenta a tudo. Ela dispõe ainda de duas narinas (os dois orifícios do nariz), que possibilitam a inspiração e a expiração. É detentora também de uma boca, o que significa dizer que a pessoa deve falar pouco, somente o essencial. Por fim, o homem detém um par de orelhas, o que leva-nos a entender que ele deve estar sempre pronto a ouvir.
O cristão que é maduro está sempre pronto para ouvir. Sua prontidão, no entanto, visa ouvir somente o que é proveitoso, edificante. Seus ouvidos, porém, jamais estarão com suas portas abertas para fofocas, calúnias, difamações, piadas de mau gosto, etc. O adjetivo “pronto” utilizado pelo sábio escritor tem sua origem na palavra grega taxus, que significa rápido, veloz, ligeiro. Provavelmente, foi desse termo grego que originou-se a palavra “táxi”. Como se sabe, o táxi é, aliás, um automóvel destinado ao transporte de passageiros. Quando é requisitado, ele encontra-se constantemente à disposição de seus usuários.
Assim sendo, deve igualmente o servo do Senhor ter ligeireza em ouvir, mas vagareza em falar. Devemos estar prontos, em todo o tempo, para ouvirmos a voz de Deus, a voz da nossa consciência, a voz da nossa família, a voz da nossa liderança espiritual, etc. Saber ouvir é uma característica de quem é maduro. Zenão de Cítio, um antigo pensador, já dizia que o homem tem dois ouvidos e somente uma boca; ele, portanto, deveria ouvir duas vezes mais do que falar. É rotineiro, nas nossas orações, falarmos muito com Deus e ouvirmos pouco a Deus. Se ouvíssemos mais a Deus, com certeza, falaríamos menos, ou seja, só o essencial. Fale ao Senhor, mas ouça-O também.
Muitas pessoas, infelizmente, por falarem muito e ouvirem pouco, acabam agindo precipitadamente. Na verdade, há muitas pessoas “sangrando por dentro” por causa de “ouvidos tapados”. Durante os cultos, por exemplo, não são poucos os irmãos que, ao invés de ouvirem atentamente a Palavra de Deus que está sendo ministrada, ficam tagarelando o tempo todo e, de modo inconsequente, ainda dizem que o Senhor não os falara. Desse modo, em vez de inclinarem os ouvidos ao Senhor, terminam oferecendo sacrifícios de tolos (Ec 5.1).
Nas suas elevadas reflexões da vida, Salomão, o sábio rei de Israel, chegou a esta conclusão: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu: há […] tempo de estar calado e tempo de falar” (Ec 3.1,7). Sinteticamente, todo cristão que se preza deve, diariamente, submeter-se ao teste dessa indispensável peneira. Falar bem revela intelectualidade, ouvir mal, porém, demonstra tolice. Lamentavelmente, diversos irmãos, ao se sujeitarem a esse exame, receberão o seguinte diagnóstico: Positivo para ouvidos com elevado índice de comichão (2Tm 4.3). Assim dizendo, tais pessoas almejam ouvir somente o que soa-lhes amável aos seus ouvidos. Compelidas pela tolice, elas sempre batem a “porta dos ouvidos” na cara daquilo que necessitam tanto ouvir.
Quando disciplinamo-nos para ouvir mais e falar menos, adquiriremos, sem sombra de dúvida, muitos aprendizados; esses, por sua vez, servirão de adubos para o nosso crescimento espiritual. Nos nossos dias, assistimos, com pesar, diversos faladores que, levantando-se soberbamente, querem muito ensinar, mas, na verdade, apresentam excessiva dificuldade para, humildemente assentados, aprender. Almejam ardentemente o púlpito, contudo, rejeitam friamente o banco. São ótimos faladores, e péssimos ouvintes. Eles querem ensinar acerca de tudo, e acreditam que não precisam aprender mais nada.
Enquanto os ouvidos enchem o coração, a boca se encarrega de revelar o que nele está (Mt 12.34). Os ouvidos trabalham na exportação (levam ao coração), enquanto que a língua labora na importação (traz do coração). Em síntese, o cristão maduro não é aquele que fala muito e ouve pouco. Crente maduro é aquele que ouve muito e fala pouco. É justamente isso que ensina-nos a primeira peneira apresentada por Tiago. É importante ainda destacar o cuidado que todos devem ter com relação aos tipos de pessoas a quem estão
ouvindo, haja vista que, de acordo com a Bíblia, há indivíduos que não vale a pena ouvi-los (Sl 1.1).
2) Seja tardio para falar – Isso significa, em linhas gerais, que precisamos refletir primeiro, e não falar de imediato. A nossa língua, inúmeras vezes, nos coloca em seríssimos problemas. Isso dá-se pelo simples fato de não sujeitarmos a nossa língua neste segundo teste, que nos é apresentado pelo sábio Tiago. Todos precisam compreender que a maturidade é adquirida ouvindo e observando, e não se apressando em falar. O proverbista de Israel assim já dizia: “Quem fala demais acaba caindo em transgressão, mas quem controla a língua é sábio” (Pv 10.19 NAA). Com base nas palavras de Salomão: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu” (Ec 3.1), é nosso dever, como servos de Deus, aprender que: “há tempo de estar calado e tempo de falar” (Ec 3.7). Além de estar ciente sobre o momento certo de falar, é imprescindível, sobretudo, saber o que falar.
Assim como um eficiente flecheiro, que primeiro mira o seu alvo para somente depois lançar a flecha, precisamos também primeiro refletir para só depois falar. É exatamente isso que o termo grego usado por Tiago quer nos ensinar. O adjetivo “pronto” tem sua origem no termo grego brandus, cujo sentido aponta para o indivíduo que possui um intelecto lento para entender o que foi-lhe dito. No contexto da carta de Tiago, essa palavra expressa “tempo para reflexão”. Ou seja, devemos ser sábios no ouvir e prudentes no falar, afinal de contas, muito ensina quem pouco fala. Ao doutrinar-nos com relação à precaução que precisamos ter ao falar, Tiago, provavelmente, tem em mente as seguintes palavras do sábio Salomão: “A morte e a vida estão no poder da língua” (Pv 18.21).
Fazendo uso de nossa língua, podemos edificar ou destruir, encorajar ou amedrontar, aconselhar ou desadmoestar, sarar ou ferir. Por essa razão, antes de falarmos qualquer coisa hoje que possa nos trazer arrependimento amanhã, necessitamos imprescindivelmente aferir a potencialidade das nossas palavras. As admoestações de Simão Pedro são consentâneas aqui: “Porque quem quer amar a vida e ver os dias bons, refreie a sua língua do mal, e os seus lábios não falem enganos; aparte-se do mal e faça o bem; busque a paz e siga-a” (1Pe 3.10). A língua deve ser usada não como um instrumento destruidor, e sim como uma ferramenta “boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem” (Ef 4.29). A língua desenfreada tem um poder
avassalador de destruição. Portanto, falemos somente aquilo que é verdadeiro (Fp 4.8), que é útil (Ef 4.29), que é inspirador (Hb 3.13), que é amável (Ef 4.15), que é essencial (Cl 4.6). Usemos, então, a nossa língua não como veneno, mas como medicina para a alma. Usemo-la de forma correta e no momento certo. Passemos agora ao teste da terceira peneira de Tiago.
3) Seja tardio para se irar – Encontramo-nos novamente com o termo grego brandus. Isso significa dizer que a ira deve ser submetida a reflexos moderados. A maior demonstração da força acha-se no controle da ira. Com maestria, o sábio rei de Israel assim disse: “Melhor é o longânimo do que o valente, e o que governa o seu espírito do que o que toma uma cidade” (Pv 16.32). Antes de qualquer ação, reflita primeiro. A ira é obra da carne (Gl 5.20). Ela não opera, de modo algum, a justiça de Deus (Tg 1.20). “Ser tardio para irar-se” significa manter a ira sob controle, e não o inverso. Quando a ira passa a exercer domínio sobre nós, coisas desastrosas podem acontecer.
No mundo fictício da Marvel Comics, há um personagem, do gênero super-herói, cuja força acha-se completamente associada ao poder da ira. Enquanto mantém a ira sob controle, o Dr. Bruce Banner não passa de um inofensivo cidadão americano. Quando passa, porém, a ser dominado pela ira, ele transmuda-se num horrendo monstro verde, chamado de Hulk. O poder do incrível Hulk é extraído de sua raiva. É uma força desenfreada que o leva a destruir tudo à sua volta. Às vezes, ele desconhece os seus próprios amigos. O Hulk, quanto mais irado fica, mais forte e descontrolado ele se torna. Nessas condições, a única coisa que ele sabe dizer é: “Hulk esmaga!”
A ira faz parte da velha natureza humana (Gl 5. 20; Ef 4.26), e precisa ser mantida sob controle pelos santos de Deus. Nesse sentido, ser um herói aqui não é ser, ao contrário do Dr. Banner, dominado pela ira, mas sim controlá-la. Para que o servo do Senhor não se transforme num “incrível Hulk” e saia por aí destruindo tudo o que estiver na sua frente, ele necessita tão somente cultivar o fruto do Santo Espírito, que é o “domínio próprio” (Gl 5.22). O fruto do Espírito que é, na realidade, o caráter de Cristo, possui, conforme Gl 5.22, nove virtudes, a saber: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e temperança. A ordem de como se encontram as virtudes do fruto do Espírito não foi colocada aleatoriamente pelo apóstolo Paulo. O primeiro a aparecer na lista é o AMOR. Sem este, certamente, os demais tornam-se inúteis.
Desse modo, podemos dizer, laconicamente, que o amor, por ser o prólogo, dá “qualidade” às demais virtudes; já o domínio próprio, por ser o epílogo da seção, fornece “equilíbrio” a todas as outras virtudes. A língua desenfreada está, na maioria das vezes, intrinsecamente associada à ira descontrolada. É, na verdade, o temperamento descontrolado que nos leva a usar vocábulos grosseiros, nocivos e irrecuperáveis contra as pessoas. O sábio monarca de Israel, certa feita, disse: “Não te apresses em teu espírito a irar-te, porque a ira abriga-se no seio dos tolos” (Ec 7.9). A ira é uma emoção com poderes altamente destruidores. Ela alimenta os ressentimentos interiores e danifica os relacionamentos exteriores. Caso não seja controlada, ela torna-se um vulcão em erupção. Suas lavas devastam tudo o que estiver na sua frente.
Neldson Costa
é pastor auxiliar na AD Olinda Nova – MA, escritor, bacharel em Teologia, pós-graduado em Aconselhamento e Psicologia Pastoral, pós-graduado em Psicologia Comportamental e Cognitiva.