O CHORO DA NOITE E A ALEGRIA DO AMANHECER

Pr. Rayfran Batista da Silva

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O livro dos Salmos constitui-se em uma riqueza litúrgica para os adoradores de Deus em todas as épocas. O termo técnico para Salmos é a palavra Saltério. A sua função principal é ser o hinário do povo de Deus em seu culto coletivo. Ele está incluído nas Escrituras canônicas, portanto, é parte da palavra inspirada de Deus. É uma antologia de poemas individuais que vem sendo usada comunitariamente pelo povo de Deus ao longo dos séculos e milênios. De acordo com a BEP (2010, pp. 813-815), “originalmente, os Salmos trazem o título hebraico Tehillim, que significa louvores. A coleção, portanto, é  composta de hinos de louvor ao Deus de Israel (8, 21, 33, 34), mas também contém um grande número de orações (3-6, 34, 54), lamentos (12, 13), hinos de ação de graças (18, 30, 34), salmos de sabedoria (1, 37, 119), salmos régios (2, 8), salmos históricos (78, 137), dentre outros”.

O salmo 30, cujo autor é identificado como sendo Davi, ilustra a maneira de orar em agradecimento a Deus por ser gracioso em responder as nossas orações. A composição é claramente identificada como um louvor pela cura divina. Ele conta a experiência de alguém que acabou de escapar da morte, tendo sido libertado de uma séria enfermidade. Seu notável restabelecimento produz ação de graças cheia de alegria e leva-o a refletir sobre as lições que aproveitou do seu sofrimento.

Nos 3 primeiros versículos, o compositor declara o tema geral do seu hino, que é ação de graças pelo repetido cuidado do Eterno e livramento ao longo do curso de sua vida. A frase de abertura: “Eu te exaltarei” é seguida por três experiências que levam o cantor a exaltar a Deus: o livramento dos ataques dos inimigos, a oração respondida e o resgate da morte iminente. No versículo 4, o autor faz uma convocação para recordar: salmodiai . . . e dai graças. Por causa de sua experiência pessoal com Deus, o salmista convoca os santos para que se juntem a ele no louvor. Os convocados são aqueles que têm a mesma fé, a mesma mente e que estão ligados ao mesmo Senhor pela aliança. Insiste-se com eles a louvar a Deus com Salmos, que rendam graças ao seu santo nome. No verso 5, a frase “em seu favor há vida” também pode ser traduzida por: “o seu favor dura a vida inteira”. Esta afirmação  contrasta com o momento da ira divina e uma vida inteira repleta dos seus favores. Por isso, então, é que ele afirma: “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pelo amanhecer”. O salmista reconhece que o favor de Deus é que dá segurança. Ele não atribuiu à sorte, à  medicina (embora seja útil), ou à causalidade. Ele, de fato, atribui tal favor ao Todo-Poderoso.  No restante do salmo, o autor dessa poesia extraordinária, se volta para seus companheiros de adoração e os convoca para que se unam a ele em cântico de ação de graças porque, embora realmente exista o choro na vida do fiel, podemos ter certeza de que ele chegará ao fim.  Uma das razões porque o sofrimento, isto é, o choro, pode vir, é o fato de  vivermos em um mundo caído. Pode-se afirmar ainda que a dor e a aflição podem vir com o propósito divino de chamar a nossa atenção para algo que precisamos corrigir em nossa vida, pois a Bíblia afirma que Deus disciplina a todo aquele que Ele ama (Hb 12.6). Podemos resumir o versículo 5 do salmo 30 com algumas aplicações práticas que apresento a seguir: a primeira, é que nunca devemos deixar de louvar a Deus por sua bondade, porque Ele sempre livra  e sempre sara. Assim como Deus livrou e exaltou a Davi e o encheu de bençãos, tornando-o estável,  assim também Paulo declara na carta aos Efésios que Cristo nos abençoou, nos exaltou juntamente com Ele, nos colocando nas regiões celestiais e nos enchendo de toda sorte de bençãos espirituais (Ef 1.3).  É claro que isso deve ser motivo de louvores e ações de graças.

A segunda aplicação prática do salmo 30.5b é que Deus concedeu a Davi a vida física e a vida espiritual, levando o autor a convocar os fiéis a tomar parte nessa atitude de gratidão e de louvor jubiloso a Deus. Isso nos leva a refletir que uma experiência pessoal, como foi o caso de Davi,  pode tornar-se em motivo para que uma congregação inteira seja convocada para exaltar o Deus de Israel. Um salmo que teria sido concebido como testemunho de uma pessoa em particular tornou-se um meio de  transmitir o testemunho de uma congregação inteira.

A terceira, é que precisamos lembrar que “as noites não são eternas. Até no inverno sombrio, a estrela d’alva brilha… Quando a noite acaba, a escuridão desaparece. Isso é aduzido como razão para o cântico sagrado, e é uma forte razão. Noites curtas e dias alegres pedem o saltério e a harpa”. (SPURGEON, 2020, p. 615).

A quarta lição prática é que devemos rogar a Deus por todo tempo que ele nos permite nessa terra. Nossa vida deve ser de constante louvor a Deus com os demais fiéis que o amam e o adoram. Aprendemos com Davi a louvar e agradecer a Deus o tempo todo. Assim como ele, nós também precisamos permanecer louvando e adorando a Deus, isso inclui a oração e o testemunho (Cl 3.16).

A quinta, é que esse fenômeno experienciado pelo salmista não o tornou único na história do povo de Deus.  O Patriarca Abraão a experimentou em sua vida, mas o forte ecoar da voz de Deus no Moriá trouxe de volta a alegria. O patriarca Jó experiementou, talvez, a mais longa de todas as noites de lágrimas e sofrimento, mas a voz de Deus ecoou do meio de um redemoinho (Jó 38.1), e, assim, a alegria voltou à sua vida (Jó 42.1-17). Na vida do profeta Daniel, a noite de lágrimas também veio com a  ameça de ser estraçalhado por leões famintos, mas o Eterno enviou o seu anjo e deu livramento ao profeta e, literalmente, ao amanhecer, a alegria voltou na vida de Daniel e na corte do rei Dario. Os discípulos de Jesus, também conviveram com o medo e a angústia de um naufrágio iminente no mar da Galileia, mas na quarta vigília da noite (entre as 3 e as 6h), Jesus apareceu caminhando sobre as águas, lhes trazendo o livramento,  a paz e a tranquilidade.

E, por último, a declaração do salmista sobre o choro de uma noite e a alegria que vem ao amanhecer pode revelar a convicção interior na existência de um Deus que é  Soberano e Todo-Poderoso,  que não somente criou a terra e o ser humano, mas também sustenta, preserva, intervém na história, abençoa, guia, orienta, sara, restaura e se faz presente em todas as circunstâncias que os seus servos vierem a passar. Assim devemos nos lembrar do que o Senhor declara em sua palavra: “não te deixarei, não te desampararei” (Hb 13.5).

NOTAS:

Stamps, Donald C. Bíblia de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro-RJ: CPAD, 2010, 2030 p.

Spurgeon, Charles. Tesouros de Davi.Vol 1. Rio de Janeiro-RJ: CPAD, 2020, 1162 p.

Rayfran Batista da Silva

Pastor Titular da Assembleia de Deus em Santa Inês-MA. 1º Vice-presidente da CEADEMA – Convenção Estadual das Assembleias de Deus no MA. Diretor do IBPE- Instituto Bíblico Pastor Estevam Ângelo de Souza. Pregador, professor de várias matérias teológicas. Mestrando em teologia pala FABAPAR. Graduado em Filosofia, Letras e História. Autor do livro “Discipulado Eficaz e o Crescimento da Igreja”, publicado pela CPAD e mais 17 livros nas áreas de Bíblia, Teologia e História Eclesiástica. Contatos: [email protected] Instagram: @RayfranBatista  You tube: Rayfran Batista da Silva