EVANGELIZAÇÃO COMO ESTILO DE VIDA

 

 

Natanael Diogo Santos[1]

 

Introdução

Evangelho significa boas novas, ou boas notícias para salvação mediante a morte e a ressurreição de Cristo. O apóstolo Paulo conceitua o Evangelho dizendo que Jesus é “declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos, – Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1.4). Baseado nessa declaração, o apóstolo classificou o Evangelho como poder de Deus para a salvação de todas as gentes (Rm 1.16).

Os termos evangelismo e evangelização não podem ser confundidos, pois são palavras que têm definições totalmente diferentes. No substantivo evangelização, o seu sufixo “ação”, denota trabalho, movimento e o modo de atuar do cristão para levar as boas novas de salvação. George W. Peters (2000, p. 256) conceitua evangelização de “apresentação inteligível, atrativa, significativa, propositada e persuasiva do Evangelho”.

Já no termo evangelismo, o sufixo “ismo”, traz mais a ideia de ciência e um sistema de crença. De acordo com esse último, seria mais no sentido de um conjunto de doutrina. Infelizmente, muitos estão mais interessados com a ação, sendo que, para alcançar as vidas, antes precisa se preocupar em buscar o conhecimento de Deus por meio da doutrina bíblica, mediante um preparo sistemático dentro de uma perspectiva teológica. Como o cristão, por meio do estilo vida, como prática do Evangelho, ganhará as pessoas para Jesus se não conhece o Filho de Deus nem seus mandamentos.

Sobretudo, a igreja local também não pode ficar presa apenas no campo teórico, uma vez que Cristo espera dela urgência no sentido de priorizar também a tarefa da grande comissão dada pelo Filho de Deus aos discípulos. Para essa mensagem causar impacto nesse mundo pós-moderno, o cristão precisa viver o Evangelho de maneira intensa para não ser repreendido pela sociedade que já tem sua cultura considerada como pós-cristã. Neste caso, a evangelização denota a ação para a demonstração do comportamento moral do cristão em contrapartida ao ambiente social corrompido pelo pecado, na proposta de provar que o Evangelho não envolve apenas doutrina teológica, mas apresenta mudança de vida no aspecto de um arrependimento sincero e de uma fé verdadeira. Enquanto arrependimento demonstra o afastamento do homem do pecado, a fé mostra este mesmo homem se aproximando de Cristo.

O conhecimento das doutrinas apresentadas na Bíblia será de fundamental importância para o cristão, porque assim serão colocadas em prática no sentido de testemunhar o caráter de Deus para influência de uma sociedade totalmente envolvida em densas trevas. Mas para que isso aconteça, o crente não deve ser apenas ouvinte da Palavra de Deus, mas praticante da mensagem exigida pelo Evangelho (Tg 1.22). Alguém pode dizer que obedecer a Palavra de Deus seja muito difícil, ou expressões como “é difícil ser crente” são muito comuns de serem ouvidas por algumas pessoas não evangélicas e até por aquelas que se consideram supostamente cristã. Quanto a tudo isso, o apóstolo João discorda plenamente, pois, ele acredita que uma pessoa verdadeiramente regenerada, isto é, nascida de Deus, não considera de forma alguma os mandamentos do Evangelho pesados, entretanto, um homem ou uma mulher genuinamente vivendo o novo nascimento terá sempre alegria e o prazer (até mesmo em meio as dificuldades) de obedecer a Palavra de Deus (1Jo 5.1-3).

Em última análise, o segredo da Igreja Primitiva estava em observar a doutrina dos apóstolos para em seguida praticarem a oração, a comunhão e ação social. Em detrimento do conhecimento declarado pelos líderes apostólicos e apresentados como estilo de vida pela igreja recém-nascida, estava resultando a cada dia no crescimento do povo da Nova Aliança, quando o Senhor acrescentava mais vidas no Reino de Deus (At 2.42-47).

 

  1. O cristão não pode fugir da sua responsabilidade

As Sagradas Escrituras ensinam o cristão almejar pela vinda de Cristo Jesus para buscar sua Igreja eleita (Ap 22.20). Contudo, o crente antes de desejar ir para o céu, não pode se esquecer do seu papel como discípulo de Cristo no que envolve a sua responsabilidade de mudar a sociedade vivendo o Evangelho.

A igreja ocidental tem feito pouco caso com determinadas situações impostas pela sociedade totalmente desfigurada dos valores cristãos que a construiu em meio a história. O que está sendo visto na sociedade ocidental são estes valores sendo invertidos, os valores que eram tidos como certos, agora estão sendo vistos como errados.

O pouco caso que a Igreja faz para mudar uma sociedade doente, seja pelo fator da influência histórica, no que equivale em destacar mais o mundo espiritual e esquecer o mundo físico, era em decorrência dos ensinamentos que muito perduraram nos sermões e nos escritos em relação à filosofia platônica. Filosofia esta que diz que o mundo invisível, ou mundo das ideias, era predominantemente evidenciado no seio da igreja como mais importante que o mundo material. Outro ensino que influencia bastante a igreja contemporânea é aquilo que foi proporcionado pelo gnosticismo ainda para a igreja do século 2. Onde esse movimento criou um dualismo entre o espírito e a matéria. Que defendia que o espírito era bom e a matéria era má.

Em consequência desses fatores históricos compreende-se porque a Igreja muito se interessa pelo mundo espiritual e pouco faz caso pelo mundo material. Não há motivo teológico nem bíblico para a igreja se comportar de tal forma, porquanto, de acordo com as Escrituras, Deus não está interessado apenas pelo mundo espiritual. Dado que, o mundo material foi Ele quem também criou e Ele mesmo é quem tem trabalhado na história para levá-lo a sua restauração no dia da consumação de todas as coisas. A Bíblia também ensina que Deus não quer apenas a parte espiritual do homem, mas no arrebatamento Ele requererá da terra o corpo de todos os fiéis. Se Deus está preocupado em transformar e restaurar este mundo, não diferentemente, o cristão precisa ter a mesma preocupação em querer mudar o estado moral da humanidade, fazendo isso, é claro, vivendo e praticando a doutrina do Evangelho de Cristo.

Jesus quando orou a Deus pediu para não tirar os crentes do mundo, mas que somente os protegessem do Maligno (Jo 17.15). Esse pedido de oração, para os discípulos permanecerem no mundo, era para eles viverem em unidade, no sentido de mostrar que são um, com o objetivo de refletir que o Pai e o Filho são um, ou seja, para que o mundo cresse que Jesus foi enviado por Deus (Jo 17.21). Quando a Igreja tem o estilo de vida de praticar a unidade, está propondo uma forma de evangelização para um mundo incrédulo a respeito da pessoa de Jesus, que Ele é o enviado do Pai para a salvação de todo aquele que nEle crê. Caso contrário, quando a Igreja tem o comportamento de partidarismo, ela estará cooperando para manter o mundo incrédulo com relação Jesus nunca ter sido enviado de Deus.

Quando o apóstolo Paulo disse para os irmãos filipenses sobre a pátria da Igreja estar nos céus (Fp 3.20). Na verdade, Paulo não estava dizendo para os crentes priorizarem o céu e esquecerem este mundo. Pelo contrário, segundo o contexto histórico, depois de uma guerra, alguns soldados romanos foram proibidos de retornarem para a capital do império, Roma. Com isso, enquanto não chegava o tempo deles voltarem a sua terra, estes soldados foram a Filipos e ali colonizaram essa cidade com a cultura romana. Então, os irmãos filipenses ao invés de se orgulharem por serem descendentes de romanos, eles deveriam se orgulhar por serem cidadãos dos céus e, enquanto não chegasse o momento de irem para as mansões celestiais, os irmãos da igreja deveriam implantar a cultura dos céus em Filipos, assim, da mesma maneira, como fizeram os soldados romanos que se achavam exilados de sua pátria.

Portanto, David Platt (2013) alerta que os cristãos não precisam estar procurando   saber qual é a vontade de Deus para as suas vidas, pois, as Escrituras já deixam evidente que a vontade do Senhor para vida de todo crente, é que este cumpra o seu papel de evangelizar o mundo. Em concordância com isso, deve-se acrescentar que esta vontade de evangelização tem como prioridade viver e ter este Evangelho como estilo de vida a fim de fazer a diferença, e convencer um mundo cheio de trevas e desesperançado de salvação e de transformação.

 

  1. A Igreja como modelo de piedade para o mundo

Deus escolheu a nação de Israel para ser um paradigma para as outras nações. A eleição da nação hebraica, no Antigo Testamento, era para distinguir os hebreus dos outros povos e das suas religiões pagãs. A separação ou a santificação de Israel retratavam a separação do povo de Deus dos falsos deuses e de seus cultos pagãos. Enquanto os israelitas estivessem cumprindo os termos da aliança, Deus compensava o seu povo com bênçãos materiais e espirituais (Dt 28.1- 14). À medida que eles quebrassem os termos pactual, o Senhor retirava as suas bênçãos (Dt 28. 15-68).

À medida que a nação de Israel era fiel aos mandamentos exigidos por Deus e o Senhor ia derramando as suas bençãos sobre ela, os outros povos recorreriam e serviriam a Yahweh. Porém, ao invés das nações vizinhas servirem ao Deus dos hebreus, eram estes que estavam servindo aos deuses dos povos pagãos. Infelizmente, Israel não soube viver o Reino dos céus como estilo de vida para resultar em glória para Deus. As consequências pelas exigências da aliança não serem cumpridas, resultaram mais tarde para o povo eleito em exílio na Assíria e na Babilônia. Israel, de maneira oposta, não promoveu glória para Deus, na verdade trouxe vergonha.

A nação de Israel falha em executar a comissão exigida por Yhaweh, agora a Igreja, em Cristo, é tida como povo eleito para efetuar o alcance das vidas, não apenas mediante a mensagem proclamativa do Evangelho, mas, sim, também em levar essa mensagem no estilo de vida (1Pe 2.9). Assim como o povo hebreu foi escolhido para retratar o caráter de Deus por meio do culto, no vestir, na música e em outros procedimentos apresentados na lei, a Igreja, agora, é quem na verdade está sendo o povo da aliança para retratar a imagem do caráter de Deus para o mundo no decorrer das eras. A Igreja realiza as boas obras entendendo que não são elas quem salvam, mas ela as realiza em decorrência, porque já é salva no sacrifício expiatório de Cristo. O estilo de vida da Igreja é uma forma de mostrar que Jesus não é apenas Salvador, no entanto, é Senhor também de quem Ele salva. Observa-se que Paulo ao falar da graça de Deus, não desconsiderava as obras.

Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas (Ef 2.8,9).

A negação do apóstolo com relação às obras, estava no fato de as próprias obras de justiça das pessoas não poderem lhes salvar.  E sim, somente a obra de Cristo na cruz deve ser o meio por onde é proporcionado a salvação e ao mesmo tempo prepara o homem para as boas obras. Paulo ao escrever para Tito deixa bem claro que o favor imerecido de Deus, a graça, foi manifestada mediante  Jesus para trazer salvação aos homens e, esta mesma graça, é quem educa e ensina todo aquele que crê no Filho de Deus para rejeitar a impiedade, os desejos desenfreados para viver de forma piedosa diante de Deus e para não ser repreendido pelos homens (Tt 2.11-13) Nisso, o apóstolo dos gentios disse para o pastor Tito pregar a doutrina do Evangelho, porém, o alertou a viver esta doutrina para não ser desprezado por aqueles que o ouvem (Tt 2.15).

 

  1. A Igreja como sal e luz do mundo

Jesus no Sermão da Montanha disse que todo aquele que está no Reino de Deus deve ser sal e luz. As duas figuras de linguagem trazem o sentido de testemunho de vida. No contexto desse sermão, o Mestre é categórico em explicar que é ser luz e sal, o cristão precisa viver a natureza moral do reino, porque assim ele fará a vontade de Deus. E para viver essa natureza, Jesus, na oração do Pai Nosso, esclareceu que o homem precisa invocar o Reino de Deus para dentro de si. “Venha a nós o teu reino. Seja feita a tua vontade tanto na terra como no céu” (Mt 6.10). O reino é o poder que capacitará o cristão a viver a vontade de Deus nesse mundo, na convicção de agradá-Lo e na proposição de atrair as pessoas para o Reino de Cristo.

Quando Jesus disse que os seus discípulos são sal e luz, de acordo com o contexto, eles deveriam viver as bem-aventuranças do reino (Mt 5.1-13). O cristão genuíno para impactar este mundo na função de ser sal e luz deve: 1) ser pobre de espírito; 2) chorar; 3) desejar justiça; 4) ser misericordioso; 5) ser limpo de coração; 6) ser pacificador; 7) ser alegre em meio as perseguições pela causa do Evangelho.

A luz tem a função de apresentar os defeitos de um determinado ambiente e eliminar as trevas desse lugar. O cristão vivendo as bem-aventuranças testemunhará a natureza do reino, nisso, automaticamente, os valores morais de Deus serão demonstrados na contramão do comportamento das pessoas sem Cristo. Por conta disso, estas pessoas que não servem a Deus, terão seus erros expostos, em efeito dos seus comportamentos que contrariam o comportamento de um cristão.  Além disso, a luz eliminará as trevas de um equivalente lugar ou ambiente social, na medida que as pessoas não evangélicas começarem a querer a imitar esta luz dos crentes em Cristo. Para que isso aconteça de verdade, o cristão não pode ficar escondido, mas Jesus havia dito que não se pode esconder uma candeia acesa, o certo é colocá-la no velador para que todos sejam alcançados e iluminados pela luz (Mt 5.15).

O sal tem a função de temperar uma comida insossa, conservar uma carne e era usado para fins medicinais, ou seja, servia para curar feridas abertas. Observa-se que Jesus não comparou o cristão com o açúcar, mas com o sal, assim, da maneira que o sal incomoda uma ferida aberta, o cristão vivendo os valores morais do reino, incomodará muito as feridas no processo de cura desse mundo, marcado pelos ferimentos realizados pelo efeito do pecado.

Jesus não falou apenas do sal puro, que é uma metáfora que caracteriza um cristão verdadeiro que procura trazer equilíbrio no mundo tão defasado pela falsidade proporcionada pelo pecado. Por outro lado, o Mestre alertou sobre o sal insípido. Steven J. Lawson (2022) informa que para as bandas do Oriente há um tipo de mineral salgado em forma rochosa misturado com gesso. Essa rocha dava impressão da aparência de sal, mas quando era experimentado não tinha o mesmo sabor do sal original, isto é, não tinha autenticidade do sal verdadeiro. Com isso, este tipo de sal não servia para nada, exceto, para ser pisado pelos homens, pois, não tinha nenhuma utilidade. Jesus com essa ilustração descreve o crente falso no sentido de não ter autenticidade do Evangelho e, por conta disso, servirá apenas para ser pisado, em outras palavras, esse tipo de crente servirá apenas para ser zombado pelos incrédulos, porquanto, nele não se encontra nenhuma utilidade para produzir sabor, sarar e purificar este mundo.

 

Conclusão

            O cristão evangelizando o mundo com o estilo de vida apresentado no Evangelho de Cristo, é a forma de promover para as pessoas à imagem de Deus e proporcionar o louvor para sua glória. Dado que, o maior amor de Deus é o próprio Deus e o maior objetivo de Deus é sua própria glória.

Cada cristão vivendo o Evangelho de Cristo de forma autêntica, faz dos crentes verdadeiros púlpitos para o Deus-pregador anunciar a salvação ao mundo e promover a sua glória. Com o objetivo de revelar que os seus propósitos eternos equivalentes a redenção da humanidade foram executados perfeitamente por Cristo na cruz e está sendo aplicado pelo Espírito Santo mediante a regeneração e a santificação na vida das pessoas e, consequentemente, vivenciados pelos crentes para a evangelização como estilo de vida para influenciar o mundo e amar o salvador.

Portanto, a realização da evangelização por meio de uma vida santa praticada pela Igreja, é a continuação do plano de Deus dado a Adão no propósito de realizar a comissão, de multiplicar a imagem do Senhor além dos limites do jardim do Éden. Essa imagem até saiu dos limites do jardim, porém, de forma defasada em consequência do pecado herdado do primeiro homem.  Agora, em Cristo, a imagem de Deus foi resgatada na Igreja para em seguida, o povo eleito vir a cumprir a comissão não realizada de forma perfeita pelo primeiro homem, que é de expandir a imagem, revelando o caráter de Deus aos povos, tribos e nações para que no fim, esses povos também possam refletir essa imagem em Jesus para a glória de Deus.

 

Referências

Andrade, Claudionor. O Desafio da Evangelização. Obedecendo ao Ide do Senhor Jesus de levar as Boas Novas a toda a Criatura. Rio de Janeiro: CPAD, 2016.

BARTH, Karl. Proclamação do Evangelho. São Paulo, SP: Fonte Editorial, 2020.

________. Chamado ao Discipulado. São Paulo, SP: Fonte Editorial, 2006.

GOMES, Osiel. Crescendo Através da Evangelização. Coroatá, MA: Doksa, 2010.

LAWSON, J. Steven. Vai Te Custar Tudo. O que Significa Seguir a Jesus. Franca, SP: Defesa do Evangelho, 2022.

PETERS, W. George. Teologia Bíblica de Missões. Rio de Janeiro: CPAD, 2000.

PLATT, David. Siga-me. O Chamado de Jesus para a Vida Eterna. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2013.

 

 

 

 

[1] Pastor Auxiliar da Assembleia de Deus em Coroatá-MA. Professor de Teologia. Autor de vários artigos publicados no Jornal Mensageiro da Paz, Revista Obreiro Aprovado (CPAD), na Revista do Seminário Teológico Jhonatan Edwards e no Site da CEADEMA (Convenção Estadual da Assembleia de Deus no Maranhão). Autor dos livros Os Dois Testamentos (Editora Reflexão) e Quebrando a Idolatria no Meio do Cristianismo (Fonte Editorial). Cursou Grego no Seminário Teológico Martin Bucer.